Uma empresa estritamente familiar
Das muitas centenas de apresentações de vinhos que já presenciei, os lançamento de Alves de Sousa são seguramente dos mais profissionais e eficazes que se fazem entre nós.
A empresa é estritamente familiar. Foi já no longínquo princípio dos anos 90, que Domingos Alves de Sousa, filho e neto de viticultores do Douro, que produziam vinho fortificado proveniente das suas quintas para as grandes casas de vinho do Porto, resolve lançar-se na produção e engarrafamento de vinhos do Douro com marca própria. Visão estratégica e determinação não lhe faltaram. E com isso iniciaram um movimento imparável que teve muitos outros seguidores e colocaram os vinhos tranquilos do Douro nas bocas dos consumidores mais exigentes e na admiração da crítica especializada nacional e mundial.
Os vinhos da Quinta da Gaivosa que foram aparecendo, primeiro sob a direcção de técnica de Anselmo Mendes e nos últimos anos já sob a batuta de Tiago Alves de Sousa, filho de Domingos e entretanto formado em enologia, estiveram sempre entre os melhores do Douro, numa consistência notável. Novas marcas de referencia como a Vinha de Lordelo ou Abandonado, entre muitas outras, vieram completar o lote de vinhos impressionantes que qualquer apreciador gostaria de ter na sua garrafeira.
Em 2016, a família Alves de Sousa celebra a inauguração de uma nova adega que já é a menina dos seus olhos e permite lançar-se para outros voos. Ainda não tive oportunidade de a visitar mas as fotos apresentadas e a descrição feita da sua traça e das funcionalidades, deixa perceber que haverá um antes e um depois da nova adega.
Um profissionalismo rigoroso
Sejamos francos. O Douro está hoje na moda e vinhos bons, já muitos produtores, felizmente, os fazem. O que gostaria de realçar agora, inspirado pela apresentação que presenciei ontem à noite no hotel Ritz em Lisboa, é a forma como Domingos e Tiago encenam esta performance anual junto da imprensa especializada e de alguns opinion makers.
Sem recurso a agências de comunicação e utilizando apenas a prata da casa, os Alves de Sousa conseguem a proeza de ter a sala cheia das pessoas que lhes interessam, fazer uma apresentação fluente e prova de novidades durante uma hora e meia, sustentada por abundante e esclarecedora documentação entregue a cada participante e terminar com um jantar de altíssimo nível onde foram degustados outros vinhos históricos da casa. Nada é deixado ao acaso. É aqui, onde muitos falham, que Alves de Sousa acerta.
Quem vê há muitos anos trabalhar Domingos Alves de Sousa sabe que ele não deixa nada ao acaso. Atento ao pormenor, minucioso quanto chegue, trabalhador incansável, não deixa de reclamar para si os méritos que reivindica mesmo quando os outros não são tão lépidos a reconhecê-lo. Ficou célebre o seu comentário quando recebeu pela primeira vez o prémio Produtor do Ano, em 1999 (recebê-lo-ia outra vez em 2006!): «Acho que já o merecia!». É esta exigência para si próprio e para os seus que obriga que nos seus actos públicos e nas relações com a comunicação social ele não facilita.
Acerta, por exemplo na escolha do local. Há muitos anos que se mantém invariavelmente no Ritz. Não por ostentação, embora este será provavelmente o mais caro sítio de Lisboa para se fazer uma prova. Mas porque o hotel e as condições oferecidas, o serviço, o catering lhe garantem uma qualidade que noutros locais não lhe seria dado como adquirido. Onde é importante, não corta custos. Aqui tem a certeza que os copos são adequados, - 11 por pessoa, na apresentação da semana passada - que a temperatura dos vinhos é irrepreensível, que o serviço é feito por gente competente, afável e ao ritmo desejado. Os convidados são bem instalados, e trabalham confortavelmente. A sala é ampla e exclusiva, não havendo interferências de outros eventos, a imersão garantida é total.
À frente de cada jornalista, uma mesa de trabalho com um completo dossier informativo, papel e lápis. Quem está habituado a receber muita informação inútil ou desadequada, incompleta ou até por vezes mal escrita, reconhece aqui a valia de uma descrição da empresa, do percurso percorrido, dos prémios ganhos, de informações sobre a nova adega recentemente construída, do report com o balanço do ano de vindimas e com a explicação da estratégia da prova. Cada vinho apresentado tem uma ficha completíssima, de onde consta a história do mesmo, a explicação do seu posicionamento no portefólio da casa, as colheitas anteriores, as medalhas ou distinções obtidas, para além das informações técnicas sobre o vinho: as castas, a idade das vinhas, os detalhes da vinificação, do estágio, as características analíticas, etc. Como são muitos anos a fazer isto, eles advinham já muitas das perguntas que os jornalistas costumam fazer: quantas garrafas produzidas, qual o preço de venda ao público, para que mercados se destinam os vinhos, etc.
Gostei sobretudo de ver o jovem Tiago Alves de Sousa a conduzir a prova. Quem o viu há uns anos, a aparecer timidamente ao lado do então enólogo consultor, dando uma achega aqui e outra acolá, não pode deixar de notar a grande segurança e desenvoltura com que fez a apresentação dos 11 vinhos da noite. Aliando uma sólida competência técnica, obtida pela formação do curso de enologia e por pós-graduações e actualizações académicas posteriores, Tiago mostra o profundo conhecimento sobre cada parcela, de cada casta, de cada cepa. E tudo isso com a paixão de quem fala sobre aquilo que é seu. O tom é coloquial e tirando o abuso do bordão "realmente" repetido muitas dezenas de vezes, é muito agradável de seguir. Mal dei pela hora e meia da prova.
Os vinhos
Os vinhos apresentados foram dois brancos, sete tintos e dois Portos.
Dos vinhos brancos foram apresentados o Branco da Gaivosa Grande Reserva 2014 e o Alves de Sousa Pessoal branco 2008. No jantar posterior tivemos ainda a oportunidade de provar o Branco da Gaivosa 2015. Gostei muito do primeiro: profundo, grande complexidade, fruta branca com um toque mineral. Envolvente e sedoso, apoiado numa boa acidez, é um vinho de guarda que já dá prazer a beber à refeição. O estilo do segundo é propositadamente polémico e representa uma aposta da casa que se vem mantendo coerente. Lançar em 2016 um branco de 2008 revela já essa determinação no procurar fazer diferente. Mas a verdade é esta edição está um bocadinho mais acessível relativamente a a colheitas anteriores mesmo para consumidores que em princípio podem não apreciar o estilo. Já não é tanto o "ama-se ou odeia-se" de que falava o pai Domingos. Do perfil, mantém a austeridade agora um pouco mais polida. Um vinho bom para despertar discussões apaixonadas.
Os três tintos seguintes foram da Quinta Vale da Raposa, todos da colheita de 2013. Touriga Nacional, Sousão e a recuperação da marca Grande Escolha que em tempos tinha sido descontinuada e que agora em boa hora regressa. Está belissimo o Touriga, muito fresco nas suas notas florais e de fruta preta, sedoso com madeira bem integrada. O Sousão confirma o estilo mais rústico, carregado na cor, encorpado, taninos vivos e um bom final. Boa surpresa o Vale da Raposa Grande Escolha. Fruta de boa qualidade, tudo muito afinado, num conjunto de grande finesse e um bom final.
O Quinta da Gaivosa que foi apresentado foi o 2011 e está tudo dito. Já dá muito prazer em beber agora mas advinha-se um futuro grandioso para quem tiver a paciência de esperar. Gosto sobretudo da qualidade da fruta madura mas com o equilíbrio da frescura, num conjunto que revela grande harmonia e sofisticação. Para além de tudo, é um vinho que costuma funcionar muito bem à mesa, como de resto tivemos oportunidade de verificar no jantar em que foi servido o seu irmão mais velho de 2008, esse também em excelente forma.
O Vinha de Lordelo, também da colheita de 2011, apresentou-se a seguir. Provém de vinhas velhas com mais de 100 anos, numa parcela da Quinta da Gaivosa que os proprietários desejaram identificar e vinificar separadamente desde 2003. A produção é escassa - apenas um cacho por videira, revelou Tiago - e as mais de 30 castas autóctenes que compõem o lote garantem um vinho cheio de complexidade e de grande profundidade. Apesar de se assumir como de gama superior (vide o preço recomendado de 64€!), para o meu gosto pessoal, prefiro mais o estilo da Quinta da Gaivosa.
O penúltimo tinto apresentado é o Abandonado, uma marca mais recente que as anteriores mas que já conquistou um lugar de destaque entre os vinhos portugueses mais cotados (80€ cada garrafa!) A colheita apresentada é a de 2013, um ano complexo e não inteiramente consensual. Aqui predominam as notas balsâmicas, um toque mineral e uma estrutura muito sólida, completada por um longo final. é um vinho impressionante, muito apelativo em prova, onde na minha opinião funcionará melhor que acompanhando comida.
Para acabar a série de tintos, veio o Alves de Sousa Reserva Pessoal 2007. Este vinho, como o nome indica, tem uma filosofia muito própria. Lançado apenas em anos considerados de grande qualidade, tem um estágio longo de pelo menos 7 anos em garrafa depois de ter passado 14 meses em barricas novas. Este 2007 está já numa fase primorosa, ainda com boa cor e com uma fruta de grande qualidade, tudo bem envolvido num conjunto de equilíbrio perfeito entre elegância, corpo e frescura. Um vinho de grande prazer.
A apresentação finalizou com a prova de dois vinhos do Porto, Fazer Portos para a família Alves de Sousa é sempre voltar à base, aos fundamentos do seu negócio que começou há 5 gerações atrás. Foi por isso natural, que tendo consolidado a imagem da casa com os vinhos do Douro, quisessem também estender a sua assinatura aos vinhos do Porto que sempre fizeram. Apresentaram o Vintage 2013 e o Tawny 20 Anos. Gostei do Vintage, um perfil mais fresco e muito apelativo que se bebe já com grande prazer. Bem conseguido, também o 20 Anos, com um aroma intenso a frutos secos e uma boca onde se nota frescura e elegância.
O Jantar
Como disse atrás, não é por acaso que o Hotel Ritz é a escolha recorrente das apresentações Alves de Sousa. Se dúvidas houvesse, o menu do jantar assinado pelo chefe executivo Pascal Meynard confirmou mais uma vez a justeza da escolha. Cada um dos pratos foi concebido para fazer brilhar os vinhos que os acompanhavam. Isso foi particularmente evidente no caso do Alves de Sousa Pessoal Branco 2008, servido como o Foie Gras (que bela combinação!), na foto da esquerda, no bacalhau com o Gaivosa 2008 ou nessa apoteose final que foi a bela sobremesa de chocolate e frutos vermelhos que acompanhou o Vintage 2009.
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