quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Ainda a propósito de umas broas


O curto comentário que fiz no FB sobre as broas de mel de minha Mãe despertaram alguma curiosidade e algumas pessoas amigas chegaram-me a pedir a receita. Não tenho problema nenhum em divulgá-la no fim deste texto até porque a comida só tem verdadeiro sabor quando é partilhada.

Como já disse era por altura dos Santos na aldeia (hoje vila) do Tramagal, concelho de Abrantes, que se fazem as ditas broas. Para nós, crianças, esta época dos Santos inaugurava o período das festas pleno de emoções que se prolongava até ao Natal e não tem correspondência com o que hoje se vive com a tradição importada do Halloween. O dia de Santos, 1 de Novembro, começava bem cedo e era uma verdadeira festa. Bandos de crianças batiam todas as ruas do Tramagal pedindo «bolinhos, bolinhos, à porta, pelos seus santinhos». Minha Mãe preparava cuidadosamente os sacos de pano que levávamos nesse peditório. Lembro-me que não era um saco de pano qualquer mas um bonito bornal feito em mosaico patchwork, de rendas e lãs que marcavam a diferença e que nos faziam sentir, a mim e ao meu irmão, orgulhosos e especiais.

As pessoas do Tramagal em geral levavam muito a sério esta tradição dos Santos. Compravam ou preparavam com antecedência iguarias que distribuíam às crianças. Havia chocolates, rebuçados, tremoços, fruta fresca, frutos secos, passas de figo, broas, biscoitos de várias formas e feitios, pães, entre muitas outras guloseimas. Em algumas casas de lavradores mais ricos, era mesmo montada uma banca com os empregados da casa a atender a criançada. Era tanta a fartura que muitas vezes tínhamos que ir a casa despejar o saco antes de continuar a jornada por outra rua. Apesar do clima de festa generalizada, a recepção não era exactamente igualitária. Nas casas de pessoas amigas, mais chegadas, ou que tinham, por uma razão ou outra, mais consideração pela nossa família, o atendimento era especial. «Então vocês são filhos de ....?» «Ah, então esperem aí um pouco, deixem atender primeiro estes meninos» E lá vinha depois um bolo, às vezes mesmo dinheiro, que nos apressávamos a colocar no porquinho mealheiro. Cerca das 11 horas ou ao meio dia havia uma interrupção para a missa e logo depois dela a ronda final do peditório. À hora de almoço, tudo acabava repentinamente. Mas a tarde prometia ser bem passada a separar as ofertas e a comer doces, até a Mãe dizer "já chega que ficam sem apetite para jantar".

Vamos então às broas.  Não tenho a certeza da origem desta receita, que é de resto muito simples, mas penso que a Mãe a herdou da minha Avó que era cozinheira numa casa de família abastada na Praia do Ribatejo. Sei que toda a gente que as provava gostava muito e muitos pediam-lhe a receita mas também me lembro que mesmo essas, quando as provávamos depois, não nos sabiam ao mesmo. Eu próprio demorei a acertar o ponto e os meus filhos eram implacáveis nas críticas durante essas tentativas até finalmente concederem: «agora sim, estão iguais às da Avó».  Quando a Mãe faleceu, tive por ponto de honra continuar esta tradição, porque de facto gostamos muito delas, os miúdos pediam-nas e achei que era uma forma de homenagear e eles terem sempre presente a imagem da Avó. Apesar do trabalho, é das coisas em cozinha que faço com mais prazer.

Broas de Mel e Amêndoas
Ingredientes:
1 chávena de açúcar
1 chávena de água
1 chávena de mel (convém não ser muito escuro)
1 chávena de azeite
2 chávenas mal cheias de farinha de trigo
Amêndoas peladas qb

Colocam-se os ingredientes, à excepção da farinha, pela ordem indicada, num tacho grande e largo e vai ao lume brando, mexendo de vez em quando. Deixa-se levantar fervura e subir a espuma até à borda do tacho, mexendo sempre.
Retira-se do lume e adiciona-se a farinha, mexendo energicamente para a dissolver o mais possível. Coloca-se outra vez ao lume brando, mexendo sempre para dissolver os grumos de farinha que fiquem até a massa engrossar e soltar-se das paredes do tacho. É preciso alguma força!
Deixe arrefecer um pouco e com a massa ainda quente/morna modele com as mãos o formato fusiforme que vê na foto (cuidado poque queimar as mãos!). Coloque no meio uma amendoa e leve ao forno cerca de 25/30m a 200 graus.
Para mim a verdadeira dificuldade foi acertar no tempo de forno. Para elas ficarem com a consistência que gostamos - crocantes por fora e macias mas compactas por dentro - não podem ter menos (ficam moles) ou de mais (ficam duras) tempo de forno.
Se alguém quiser tentar, boa sorte e bom apetite!

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