sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Eu, Daniel Blake: um murro no estômago!


O filme do cineasta britânico Ken Loach é um retrato poderoso e profundamente humano de uma certa realidade social que muitas vezes teimamos em não reparar. Falo por mim. Nunca alinhei nas teorias neo liberais hoje em tão em moda de que o mercado é a solução para tudo. Não é! Pelo contrário, acho que o estado social que vingou na Europa após a 2ª guerra mundial, e entre nós apenas a seguir ao 25 de Abril, é a maior criação da humanidade pela forma como conseguiu integrar a generalidade da população num conjunto de direitos básicos  que penso serem inerentes à nossa condição humana.

A verdade é que esta conquista civilizacional dá-nos um conforto ilusório, reforçado pelo facto de sabermos que ela é alimentada pelos nossos impostos, o que origina muitas vezes uma certa desresponsabilização pelos problemas subsistentes. E depois vemos que esse estado providência, generoso nos objectivos, esbarra muitas vezes numa burocracia legalista e implacável que tem sempre mais em conta os regulamentos e procedimentos estabelecidos que as condições e as necessidades específicas do individuo em concreto que é suposto apoiar. É nesta contradição dos termos que se joga a trama do filme levando até ao limite do absurdo uma situação kafkiana em se vê envolvida a personagem principal, Daniel Blake, um marceneiro de 59 anos, viúvo, info-excluído e vitima de um recente ataque cardíaco que o impede de trabalhar mas que não consegue receber a pensão a que teria direito porque não sabe preencher um formulário on line ou não encaixa em nenhuma das situações tipificadas pela segurança social.

Não se pense contudo que o filme é apenas uma luta inglória do individuo contra a máquina burocrática. É também profundamente comovedor ver como nas situações mais penosas, mesmo no fundo do abismo para que somos atirados, afinal são as pessoas que podem fazer a diferença. Na sua demanda inglória por gabinetes, centros de emprego, banco alimentar, onde a par da indiferença institucional se encontram também algumas almas compassivas, Daniel cruza com Katie, uma jovem mãe solteira com duas crianças, desenraizada como ele, e também ela uma vítima que não passa pelas malhas do sistema. Para mim, é a mensagem mais marcante do filme de Loach. Na interajuda entre os dois seres desvalidos nasce uma ligação forte que quebra a barreira do isolamento e que permite entrever uma luz ao fundo do túnel.

Numa película em que seria fácil puxar pelo melodrama ou pelo rodriguinho, a narrativa mantém-se contida, linear, rejeitando os arabescos ou sentimentalismos piegas. Um filme que interroga as nossas certezas e nos confronta com a poder cru da realidade.

A não perder.

Sem comentários:

Enviar um comentário