Nas duas semanas que passei entre os irlandeses quase dava para fazer um curso acelerado de introdução à cerveja. Por todo o lado, desde o pub mais modesto perdido numa aldeia do interior ao bar mais extravagante do hotel de luxo, a oferta de cervejas é tão grande e tão diversificada que o amador curioso depressa fica perdido entre estilos, processos de fabrico e marcas. É claro que a Guinness é universal e tem uma presença avassaladora por toda a Irlanda, aliás como eu já esperava. O que eu não sabia era da quantidade impressionante de marcas de cerveja, do orgulho de cada condado ou mesmo cada cidade na sua própria cerveja e nas suas brewers. Este foi um truque que aprendi depressa: se queres ver uma empregada de bar bem disposta e com um sorriso aberto (Ok, também não é preciso muito!) é encetar este diálogo logo de entrada. E o que vai beber? Cerveja, por favor? Qual a marca? Gostaria de experimentar uma cerveja local. Temos quatro! Bom a minha mulher gosta mais de cerveja tipo lager mas eu gostaria de provar uma ale. O que me aconselha? E a menina lá dirá da sua justiça e não terminará a refeição sem nos vir perguntar se afinal gostámos. Gostámos pois! São impressionantes os line ups como o da foto em que o cliente tem à sua disposição uma dúzia de cervejas de pressão, sem falar já da oferta disponível em garrafa.
Na Irlanda a cerveja é consumida uniformemente por pessoas de todas idades (desde que tenham idade legal, claro), condição social ou sexo. Um irlandês nunca bebe uma só caneca de cerveja. Quando vem a primeira pint é só o começo de uma longa jornada que só termina quando soa a sineta e se fizerem os últimos pedidos ao atingir a hora a partir da qual não se pode encomendar mais. A cerveja, quase sempre uma pint (corresponde à nossa caneca), é bebida antes de refeição como aperitivo, durante a refeição e depois do jantar, como se fosse um digestivo. Cada pint demora um certo tempo a ser bebida já que ali ninguém bebe de penalti. A cerveja é para se ir apreciando. Segundo nos explicou um consumidor que tinha cara de ser entendido no assunto, o truque é pedir a próxima antes de finalizar a pint que se está a beber. Isto porque no caso da pint da Guinness, há todo um ritual a respeitar. Primeiro não se pode ter pressa. O homem tira a cerveja e enche o copo até 3/4. E depois pousa-a no balcão e vai à vida dele ou começa a atender outros clientes. Nas primeiras vezes cheguei a pensar que ele se tinha esquecido de nós mas depois percebi. A Guinness precisa de assentar e isso demora uns bons minutos. Quando finalmente o barmen entende que a coisa está pronta, regressa e acaba então de encher o copo de forma que a camada superficial da espuma densa ocupe um décimo do tamanho do copo. Só então entrega a pint ao cliente ansioso.
Nestas condições, achámos que nenhuma visita à Irlanda estaria completa sem visitar a sede da Guinness, em Dublin. Pensámos nós e os outros milhares de turistas que tiveram a mesma ideia, ou não fosse a Guinnesse Storehouse a maior atracção da cidade. Mas o facto é que a visita valeu a pena e foi muito instrutiva além de imensamente divertida, apesar dos 20€ que custou cada entrada. As instalações fabris ocupam uma vasta area em St.James Gate mas a parte da exposição aberta ao público é verdadeiramente espectacular. Imaginem uma estrutura com o formato de uma imensa mezzanine de vidro e ferro com seis (6) andares a imitar a maior pint do mundo. À entrada, passamos por uma sala de exposição onde se explicam, se vêem, se cheiram e tocam os quatro ingredientes que entram no processo da cerveja: cevada, lúpulo, fermento e água. No andar seguinte, o próprio Sir Arthur Guiness (ou a imagem dele interpretada por um actor) conta-nos a história da marca que começou de forma modesta em meados do seculo XVIII quando o senhor resolveu arrendar as instalações desocupadas através de um contrato de 9000 anos (não é engano!) pela fabulosa quantia de 45 libras anuais. E aí começou a fazer uma cerveja preta, fruto da torrefacção da cevada a altas temperaturas. No 3º andar, vemos a simulação do fabrico propriamente dito, enquanto nos andares seguintes vemos o desenvolvimento histórico da marca: desde o antigo trabalho dos tanoeiros, aos sistemas de transporte para acabar numa exposição interactiva sobre aquilo que tornou a marca conhecida e presente em mais de 120 países: a comunicação e a publicidade. Os dois andares de topo são ocupados por dois restaurantes e vários bares onde finalmente podemos usar o voucher com direito à nossa pint. O Gravity Bar no terraço, totalmente envidraçado, proporciona uma vista magnifica sobre toda a cidade o que seria uma optima maneira de terminar a visita não fosse a obrigação de passar à saída pela loja e ter que resistir à vasta parafernália de objectos com que o agressivo merchandising da marca nos tenta.
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